domingo, 28 de setembro de 2014

Devo querer ser feliz



Tô meio perdido em relação as coisas do agora e as coisas do futuro.

Digo, em relação ao que sou e o que faço. Tô inseguro em relação ao caminhar visando as coisas que me fazem feliz, e as coisas que eu deveria fazer.

Deveria segundo o que os outros querem, já que, dentro de mim, meu dever tem que ser com aquilo que me trás o sorriso no rosto.

Perdido entre o agora e o que ainda vai chegar.

Será que caminhando conforme o que me faz feliz, eu acerto com o erro?

Ah,

desliga esse celular, apaga esse texto e vai dormir.

Amanhã os deveres são outros,

já vão exigir outras coisas,

e quem sabe,

por sorte,

a sua felicidade passa despercebida.

domingo, 21 de setembro de 2014

Ao artista



Eu fico pensando em todo o caminho que me trouxe até aqui. O quanto a arte realmente significa na minha vida, o que ela fez por mim no passado e o que faz hoje, no meu presente. Eu era franzino, lembro que minha criatividade era a única característica marcante da minha personalidade e, quem sabe, da minha pessoa. Sempre gostei do teatro, sempre curti a dança, mas sempre me maravilhei com aqueles circos itinerantes que passavam pela minha pequena cidade perdida no sul... Não esperava uma vida que despertasse para esse lado cigano e misterioso. Tenho que agradecer todos os dias por minha mãe preocupada com minha dificuldade em fazer amizades e encontrar um rumo, me inscrevendo naquele teste na Escola de Circo de Londrina sem meu consentimento. Normalmente mães colocam os filhos inseguros no psicólogo, a minha achou uma boa idéia me ensinar a pintar a cara de branco. E nessa atitude doida ela mudou minha vida e, posso arriscar, me deu minha identidade.
Foram anos de treino, de aprendizado (que hoje eu com certeza aproveitaria melhor, se pudesse voltar no tempo. Quando a gente é criança acaba deixando muita coisa passar e não perceber como aquilo era valioso, haha!). Foram anos de brigas em casa, conciliando os estudos tradicionais pela manhã (e dormindo bastante em aula, acho que professores mais chegados e colegas lembram bem!) com os treinos pesados de circo da tarde, os ensaios e aulas no turno da noite, e as inúmeras viagens para longe. O ônibus lotado no fim de um dia cansativo, mas extremamente satisfatório. Anos de um primeiro mortal da cama elástica, a primeira vez que consegui jogar três bolinhas pro alto (essa parte foi mais difícil, meu professor de malabares sabe bem.) e o primeiro encantamento com o trapézio, com o tecido, e com a imensidão de aparelhos que vieram depois disso. O primeiro figurino, a primeira lesão por esforço, primeira distensão (de muitas, deveria ter sido mais cuidadoso nesse aspecto...), primeiro espetáculo, e o primeiro pé na estrada. As primeiras amizades e os primeiros contatos artísticos... Durante a formação aprendi que ser artista no picadeiro era bem mais do que executar as tarefas na hora do show: Era ensaiar, era persistir, era suar a camisa e repetir inúmeras vezes até chegar à perfeição. Era saber montar e desmontar seu ambiente de trabalho, conhecer o aparelho de uso e o espaço tanto quanto seu próprio corpo e mente, e o mesmo valia para seus parceiros. Mais do que isso, era saber o seu propósito, sentir a música, sentir a arte, e deixa-la tomar conta do corpo e contagiar as pessoas que estavam lá na platéia. Era jogar no mundo um pedaço seu, e encantar com isso. 
Mais ainda, o circo também construiu meu caráter. Me ensinou a confiar nas pessoas, e desconfiar delas também. Me ensinou que o mundo não é um lugar fácil de existir, e que para estar aqui travamos uma batalha diária, em que muitas vezes só sai vitorioso o mais forte, ou aquele que deu mais duro. Me ensinou que nada vem sem o esforço. Me definiu como artista, e como pessoa.
Dos meus colegas, fui um dos que não trilharam o caminho do picadeiro e das grandes companhias. Por algum tempo até me senti um pouco perdido, pois já não sabia mais meu papel nessa tal arte circense, se é que eu ainda tinha um a executar. E então descobri que, com tudo aquilo que aprendi, posso tocar a vida das pessoas, ensina-las o pouco que eu sei, mesmo que fora dos palcos, e doar um pouco de tudo que me foi passado, dessa vez, do meu jeito.
Como educador, percebo hoje o quão importante foi o papel dos meus treinadores, técnicos e professores, não só na minha carreira artística, como na minha construção humana. Às vezes dou risada de mim mesmo quando percebo o quão parecido sou com meu antigo professor, ou aquela professora elástica que dividiram inúmeras experiências comigo. Percebo que, por mais que tenha perdido contato com praticamente todos aqueles que trilharam esse caminho ao meu lado, eles certamente estão em mim, dentro das cicatrizes, da memória, e no meu modo de viver a vida. Hoje não sou o mais apto dos artistas, tem me faltado muito treino e tempo para aperfeiçoar a minha própria técnica. Mas, graças a essa arte que chegou na minha vida para sugar de mim o melhor, sei que meu papel no mundo pode não ser para sempre no picadeiro, mas sim, tocando a vida de novas pessoas, que aspiram um futuro melhor. Ver nos meus alunos o mesmo brilho nos olhos que tive quando percebi que amava aquilo que eu estava começando a descobrir não tem preço. Saber que aqueles, quem sabe, futuros artistas, terão para sempre um pouco de mim neles também não.
No fim, quando volto a me perguntar o que a arte realmente significa na minha vida, chego à conclusão que ela significa tudo. Tudo que me faz caminhar, que me dá um norte, e tudo que posso expressar de melhor para o mundo. Pode ser que não esteja sempre ali, pulando, ensinando, expressando, mas certamente, sem o circo, sem essa arte cigana que escolhi (ou ela escolheu a mim?), eu saberia muito menos de mim do que sei, e do que poderia imaginar. Sem a exaltação de pisar no picadeiro, sentir as luzes e os holofotes, o cheiro da maquiagem e de palco, certamente eu jamais me reconheceria como alguém que pode fazer sua diferença enquanto pisar no mundo.
Por hoje, queria agradecer todos que de alguma forma tiveram sua parcela de culpa nessa construção. Aqueles com quem nunca mais tive contato, aqueles que chegaram depois e ainda caminham do meu lado... De vocês, levo os maiores aprendizados, e minha identidade, meu eu tal como é hoje.

Quem sou eu?

Sou artista, sou professor, sou circense, e tudo que sempre quis ser.

"Dar ao artista a oportunidade de espalhar sua arte, é como dar aos pássaros a oportunidade de voar."